O tesouro da Costa do Sol

O Globo, Rio, p. 14-15 - 23/12/2012
O tesouro da Costa do Sol
Biólogos descobrem dez novas espécies na Praia das Conchas, em Cabo Frio

PAULO ROBERTO ARAÚJO
pra@oglobo.com.br

Considerada excelente para banho por estar há anos livre da poluição, segundo análises do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Praia das Conchas, no Peró, em Cabo Frio, não é um paraíso somente para os banhistas. Ela também é um refúgio ecológico de animais marinhos que somente agora estão sendo descobertos. Depois de nove anos de mergulhos no costão rochoso das Conchas, um grupo de biólogos encontrou e fotografou dezenas de espécies de invertebrados marinhos, sendo que pelo menos dez, de acordo com os pesquisadores, são espécies novas para a ciência. Alguns animais, em sua maioria nudibrânquios (pequenos moluscos marinhos sem concha), também foram encontrados em ilhas de Cabo Frio, em Búzios e Arraial do Cabo.
A descoberta traz à tona uma antiga reivindicação de ambientalistas para que a faixa litorânea que vai da Praia das Conchas a Tucuns, em Búzios, seja transformada em reserva extrativista, como a existente em Arraial do Cabo. O Parque Estadual da Costa do Sol, criado recentemente, protege apenas a parte costeira. Os recém-concursados guardas-parque são atuantes em terra, mas pouco podem fazer para combater a pesca predatória, feita por embarcações de outros estados, que dizimam a fauna marinha com a pesca de arrasto. Regularmente, a ONG Ondas do Peró, formada por surfistas e ambientalistas, realiza mutirões para limpeza das praias. A próxima campanha será em janeiro do ano que vem.
Biólogo marinho, mestre em zoologia pela UFRJ e doutorando da Universidade de Munique, na Alemanha, Vinicius Padula iniciou suas pesquisas nas Conchas em 2003. Com o tempo, outros biólogos juntaram-se a ele. Foram encontradas na Praia das Conchas, além dos moluscos, espécies nunca vistas de esponjas e planárias marinhas. Entre 16 tipos de esponjas encontradas pelo grupo de especialistas, cinco não eram conhecidas.
- Em cerca de nove anos de pesquisas, apenas na Praia das Conchas, 55 espécies de nudibrânquios foram encontradas, das quais dez nunca haviam sido vistas antes. Colegas fotógrafos submarinos e biólogos não acreditavam que algumas das fotografadas haviam sido achadas no Brasil. Acabou que tive que ir para a água com eles para mostrar pessoalmente essas espécies - conta Padula.
Inimigos na terra e no mar
Padula lembra que a região de Cabo Frio e Arraial do Cabo é favorecida pela ressurgência - fenômeno que leva à costa águas frias e ricas em nutrientes - possibilitando grande biodiversidade. Dentro da água, problemas com pesca predatória, embarcações velozes e o aumento da quantidade de dejetos, principalmente esgoto, são os maiores inimigos da fauna marinha.
O biólogo lamenta o número reduzido de estudos sobre a fauna marinha da região e garante que até mesmo os pesquisadores se surpreendem com a diversidade de espécies encontradas.


Secretário anuncia ampliação de área protegida no mar
Estudo será usado como base para medida de preservação

PAULO ROBERTO ARAÚJO
pra@oglobo.com.br

Depois de conhecer o estudo sobre as espécies encontradas na Praia das Conchas, o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, disse que ele servirá como base para a ampliação da área marinha protegida no âmbito do plano de manejo do Parque da Costa do Sol:
- Na elaboração do plano, vamos ampliar a proteção para a área marinha com base nesse e em futuros estudos. Será um local destinado à pesquisa científica e ao turismo ecológico. O trabalho dos biólogos só aumenta nossa responsabilidade com a região.
Minc afirmou, ainda, que a pesquisa valoriza a briga pela preservação das espécies. Ele pretende pedir o material aos pesquisadores para produzir painéis de divulgação da riqueza da fauna local. Minc garantiu que os novos guardas-parque vão dedicar atenção especial à causa. O início da alta temporada na Região dos Lagos, com a chegada do verão, preocupa os biólogos.


Praia é vista como área prioritária para estruturação de parque
Especialistas alertam para risco de redução da biodiversidade local

Chefe do Serviço de Planejamento e Pesquisa Científica do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), o biólogo marinho Eduardo Lardosa afirma que a Praia das Conchas é uma das três áreas prioritárias para o projeto de estruturação do Parque da Costa do Sol - as outras são a Ponta da Coroinha, em Arraial do Cabo, e a Duna Branca, em Cabo Frio. O objetivo é ordenar a parte terrestre e a marinha, com a proibição de atividades como o tráfego de jet-skis e a pesca predatória. Ao mesmo tempo, será estimulada a prática esportiva, como canoagem e windsurfe, e a criação de trilhas subaquáticas:
- Esse trecho do parque no Peró tem uma relevância ambiental muito grande, tanto do ponto de vista biológico quanto geológico. É um ambiente que agrega diversas características capazes de fortalecer a vocação para o turismo ecológico - explica Lardosa.
Toxinas contra o câncer podem ser descobertas na região
Responsável pela pesquisa na Praia das Conchas, o biólogo Vinicius Padula alerta para o risco de redução da biodiversidade na região.
- Nos ecossistemas, as espécies estão ligadas por diferentes relações ecológicas. A poluição atinge primeiro uma determinada espécie, que serve de alimento para outras, e assim por diante. Em cadeia, o resultado é o extermínio da maioria das espécies, restando poucas, conhecidas como oportunistas. É fácil verificar isso se observarmos a quantidade de vida no Arpoador ou na Praia de Botafogo, no Rio, e compararmos com a das praias de Cabo Frio e Arraial do Cabo. O aumento da poluição no Rio ao longo dos anos reduziu drasticamente a diversidade local de espécies - afirma o biólogo.
Padula adverte que a biodiversidade e seus benefícios estão sendo perdidos antes mesmo de serem conhecidos.
- No caso dos nudibrânquios (pequenos moluscos sem concha), esponjas e outros grupos marinhos, perde-se também uma potencial fonte de descoberta de compostos contra doenças, como o câncer. Esses animais têm toxinas de defesa que, depois de identificadas, são sintetizadas em laboratórios na fabricação de medicamentos - acrescentou o pesquisador.
Segundo o biólogo marinho Emilio Lanna, a fauna de esponjas da região do Peró é bastante variada, mas ainda pobremente estudada.
- Ao longo dos anos que mergulhamos por lá, sempre encontramos organismos diferentes, muitos provavelmente ainda desconhecidos para a ciência. Com a degradação ambiental e sem proteção, é possível que, em pouco tempo, já não encontremos mais essas espécies - lamenta.

O Globo, 23/12/2012, Rio, p. 14-15
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