Barracos na Costa Verde

O Globo, Rio, p.16 - 12/11/2005
Barracos na costa verde
Cresce número de favelas ocupando encostas e ameaçando áreas de preservação
Conhecida por suas ilhas paradisíacas e seus resorts, a Costa Verde vem deixando também à vista dos turistas o crescimento desordenado em encostas e áreas de proteção ambiental. As favelas, que não existiam há 20 anos, formam uma nova paisagem ao longo da BR-101. A situação é mais crítica em Angra dos Reis, onde a proporção de pessoas vivendo em comunidades carentes em relação ao total de habitantes aumentou 419,1% entre 1991 e 2000, segundo estudo do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em Mangaratiba, o mesmo estudo revela que 5,44% da população do município vivia em favelas em 2000, um dos índices mais altos do estado. Até mesmo Paraty, que não tinha favelas em 2000, já sofre com uma ocupação irregular, de acordo com o Ministério Público estadual.
Segundo o IBGE, até 1991 não existiam favelas em Angra. Dez anos depois, elas eram três, abrigando 3.799 pessoas. Atualmente, a prefeitura de Angra contabiliza 26 assentamentos subnormais, mas não sabe informar quantas pessoas residem neles. Boa parte das encostas próximas do Centro, ao longo da BR-101, tem ocupações. Apenas as áreas de resorts, como o Club Med e o Portobello, estão livres da favelização.
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, deputado Carlos Minc (PT), a falta de projetos de assentamento leva a população a ocupar áreas de risco:
— As prefeituras devem fazer a sua parte, que é fiscalizar, em conjunto com os órgãos estaduais e federais. Em locais como a APA de Tamoios, tanto a prefeitura como o Ibama podem agir.
Principais parques estão invadidos
O Estudo Socioeconômico de 2004 do TCE revela um crescimento preocupante da proporção de pessoas vivendo em favelas em Angra. Segundo o órgão, 0,68% dos moradores do município residiam em domicílios subnormais em 1991. Em 2000, já eram 3,53% (uma variação de 419,1%).
O crescimento da ocupação desordenada levou Angra a cair no ranking elaborado pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), que mede o acesso a serviços básicos, como água encanada, coleta de lixo e energia elétrica, e posse de bens, como geladeira e televisão. O ranking tem como base dados do Atlas de Desenvolvimento Humano, lançado em 2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e pela Fundação João Pinheiro. Em 1991, Angra estava em 32o lugar entre os 91 municípios do estado. Dez anos depois, caiu para a 50ª posição.
Uma das maiores preocupações de especialistas e ONGs é quanto à pressão exercida pelas comunidades sobre as áreas de preservação ambiental. Angra tem 79,69% de sua área de 819 quilômetros quadrados sob proteção, como o Parque Estadual de Ilha Grande, a Área de Proteção Ambiental de Tamoios e parte do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
— Hoje existem ocupações irregulares nos principais parques, o da Ilha Grande e o da Bocaina. O crescimento desordenado da cidade é uma ameaça concreta ao meio ambiente e se explica pela omissão dos poderes municipal, estadual e federal — diz José Antônio dos Remédios, coordenador da ONG Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê).
No Centro de Angra, as favelas sobem as encostas ultrapassando a cota 60, limite para construções. O geógrafo Marcelo Motta, do Instituto Terranova, detectou alterações na vegetação que resta.
— De um lado há o crescimento das favelas e, do outro, o dos pastos. A mata está ficando com recortes. Cortando as bordas, há efeitos em toda a floresta. Nos morros da região central, já temos uma vegetação secundária, com muitas trepadeiras e árvores com enraizamento superficial, o que deixa desprotegidas as encostas — frisa.
O risco de deslizamentos, segundo Motta, é permanente. Apenas 10% da área do município é plana, o que leva as ocupações irregulares a acontecerem nos morros. Um dos exemplos é o complexo de favelas de Sapinhatuba, próximo ao trevo rodoviário. Boa parte das cerca de 500 casas que o compõem, segundo a prefeitura, está acima da cota 60, em área de risco.
Os dois inquéritos civis mais recentes abertos pela promotora Patrícia Gabai Venâncio, da Promotoria de Tutela Coletiva de Angra, abordam tanto a expansão de ocupações irregulares quanto o surgimento de novas. Um deles diz respeito à invasão de um terreno particular em Itinga, onde já há 400 famílias. A ocupação começou em 1996. Até casas de veraneio foram identificadas. Nos morros do Moreno e Lambicada, a ocupação, em área de risco e de preservação está em fase inicial, segundo a promotora:
— Ao longo de décadas temos visto ocupações irregulares proliferarem. Pelas características da região, elas invariavelmente acontecem em áreas de risco ou de proteção.
Em dezembro de 2002, mais de 30 pessoas morreram e 1.500 ficaram desabrigadas em conseqüência de fortes chuvas que provocaram deslizamentos em Angra.
O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Angra, Mário Márcio da Costa Lemos, espera que o Plano Diretor elaborado pela prefeitura, a ser entregue à Câmara para votação no dia 19 de novembro, ajude a mudar a situação:
— Um dos pontos mais importantes é o incentivo à transformação de áreas rurais em áreas de interesse turístico. Hoje, a legislação prevê lotes mínimos de 21 mil metros quadrados em área rural, mas, com o crescimento dos bairros urbanos, temos áreas rurais com lotes de 200 metros quadrados, com crescimento desordenado. A intenção é permitir a ocupação de forma inteligente.
Em Mangaratiba, a situação também é preocupante. Em 2000 existiam no município duas favelas, segundo o IBGE, com 1.589 moradores. Estudo do TCE revela que 5,44% da população vive em favelas, índice superior ao de Angra e inferior apenas ao de outros oito municípios do estado.
— O principal problema de Mangaratiba é o parcelamento irregular do solo, como no bairro Cachoeira. Mas também há casos de invasões. Recentemente a Fazenda Santa Bárbara foi invadida pelo MST — diz Patrícia.
O MP apura também a ocupação da Prainha de Mambucaba, em Paraty, município considerado livre de favelas em 2000 pelo IBGE.

GRANDES OBRAS ATRAÍRAM MÃO-DE-OBRA
Para promotora, solução inclui a construção de conjuntos habitacionais
O crescimento das ocupações irregulares na Costa Verde coincide com o período de maior expansão demográfica na região. Grandes empreendimentos, como as usinas nucleares, o estaleiro Verolme (atual Brasfels), hotéis e resorts, a partir da década de 70, atraíram grande quantidade de mão-de-obra.
A taxa de crescimento populacional de Angra ao longo da década de 60 foi de 3,4% ao ano, similar à da Região Metropolitana. Na década de 70, ficou acima da média da Região Metropolitana. É o período de construção da usina Angra 1, de implantação do Terminal Petrolífero da Ilha Grande e de construção da BR-101. A população urbana equiparou-se à rural nessa época.
Na década de 80, a população de Angra cresceu 3,6% ao ano, enquanto na Região Metropolitana o índice ficou em torno de 1%. Nos distritos com grandes empreendimentos, como Cunhambebe, Jacuecanga e Mambucaba, o índice ficou entre 5% e 7% acima da média municipal. A migração para áreas urbanas também foi acentuada — em 1991, apenas 9% da população do município residia no campo.
— As grandes obras atraíram trabalhadores sazonais, que permaneceram na região depois. Nos últimos dez anos, Angra recebeu 20 mil migrantes. Com isso surgiu a ocupação de áreas impróprias, como encostas, sem drenagem de águas pluviais e esgoto — afirma José Antônio dos Remédios, da Sapê.
Durante os anos 90, o crescimento continuou acelerado, acima da média metropolitana, e com inchaço dos centros urbanos. Segundo um estudo da prefeitura, mantida a taxa média de crescimento dos últimos quatro anos, haverá um ingresso de 7.836 habitantes a cada ano. Numa década, portanto, a população do município quase que dobraria.
Para a promotora Patrícia Venâncio, a solução passa pela construção de conjuntos habitacionais.

O Globo, 12/11/2005, p. 16
UC:Geral

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