Amazônia dividida em lotes

JB, País, p. A2-A4 - 31/01/2007
Governo vai alugar selva amazônica
O governo federal decidiu assinar este ano contratos de concessão de trechos da floresta amazônica para a iniciativa privada por um prazo de 40 anos. Geógrafos, cientistas, pesquisadores e políticos denunciam que o projeto vai legalizar o processo de desnacionalização da região. Afirmam que representa, na prática, o aluguel de florestas que o governo não é capaz de controlar. (pág. 1 e País, págs. A2, A3 e A4)

Amazônia dividida em lotes

Daniel Pereira

Incapaz de controlar a ocupação, de fiscalizar as atividades legais e de combater as ações ilegais dos estrangeiros na Amazônia, o governo pretende recorrer neste ano a uma iniciativa que ameaça ainda mais a soberania na região: quer assinar os primeiros contratos de concessão à iniciativa privada da gestão e exploração econômica de florestas.

Segundo o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Tasso Azevedo, 11 florestas podem ser repassadas a empresários ou ao uso de comunidades locais ainda este ano, de acordo com as regras da Lei de Gestão de Florestas Públicas, sancionada no ano passado.

As florestas ficam no Pará (10) e em Rondônia. Despertam o interesse da iniciativa privada. Azevedo diz que representantes dos setores de construção civil e de cosméticos já informaram ao Ministério do Meio Ambiente a disposição de disputar as licitações para as concessões. Os dois segmentos cobiçam, respectivamente, madeiras e óleos. Além disso, bancos privados querem participar - diretamente ou via concessão de empréstimos - de projetos de "desenvolvimento sustentável".

A possibilidade de negócios enfrenta resistências no meio acadêmico e no Congresso. O geógrafo Aziz Ab´Saber e os senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) dizem que o governo contribuirá para a desnacionalização da Amazônia ao conceder à iniciativa privada a gestão de florestas. Os ganhos financeiros obtidos pelos empresários em contratos de até 40 anos, reforçam os críticos, ultrapassarão as fronteiras nacionais.

- É o aluguel das florestas. É o primeiro passo para internacionalizar a Amazônia, de maneira legal - critica Cavalcanti.

Líder do PTB no Senado, Cavalcanti declara que o governo não tem estrutura para fiscalizar o que será feito nas áreas sob gestão da iniciativa privada nem saber quais são os verdadeiros beneficiários da exploração econômica.

- Um brasileiro pode ser testa-de-ferro de um estrangeiro que vem à Amazônia fazer pesquisas sobre biodiversidade e produtos farmacêuticos.

Para Mesquita Júnior, o governo corre o risco de contribuir para a internacionalização da Amazônia porque caiu na "esparrela da pseudo-vocação da região para ser fornecedora de matéria-prima bruta". Eleito na mesma chapa da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o senador peemedebista afirma que o governo deveria investir mais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Transformá-lo em uma espécie de Embrapa do desenvolvimento sustentável. Com pesquisadores e cientistas, o INPA teria condições de explorar a biodiversidade e municiar uma grande indústria farmacêutica nacional.

- O desenvolvimento sustentável será a atividade das populações locais, como trabalhadores escravos, sustentando as grandes corporações - acusa Mesquita Júnior.

Azevedo alega que a lei impede a privatização das florestas nacionais, ao deixar claro que não podem ser vendidas. Ou seja, fecha, e não abre, brechas para a posse do território por estrangeiros.

- A lei resguarda o patrimônio brasileiro e cria regras claras sobre como usá-lo.


Maioria das florestas fica no Pará

Das onze florestas que podem ser concedidas à iniciativa privada, quatro despontam como favoritas para estrear a modalidade, porque já têm planos de manejo aprovados. São elas: Carajás, Saracá-Taquera, Tapirapé-Aquiri e Jamari. As três primeiras estão localizadas no Pará e a outra, em Rondônia. Juntas, têm 1.257.900 hectares.

Segundo o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Tasso Azevedo, ainda não foi decidido se as áreas serão destinadas à iniciativa privada ou ao uso das comunidades locais. Há ainda a possibilidade de adoção, ao mesmo tempo, das duas medidas.

Na semana passada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, debateu com o presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Demian Fiocca, a criação de duas linhas de crédito para financiar atividades nos distritos florestais sustentáveis e concessões de manejo florestal. Nenhuma decisão foi tomada no encontro, no qual foi discutida, por exemplo, a situação de Carajás.

O Ibama elabora o plano de manejo de outras três florestas. Localizadas no Pará, Altamira, Itaituba I e Itaituba II têm 1.372.500 hectares. Amanhã, termina o prazo para inscrição na disputa pelo direito de elaborar planos de manejo de mais quatro florestas situadas no Pará: Trairão, Jamanxin, Crepori e Amaná, cuja área somada é de 2.837.000 hectares.

O governo espera que, em 10 anos, a área máxima sob gestão da iniciativa privada seja de 13 milhões de hectares (cerca de 3% da Amazônia). Além disso, estima que as concessões gerem receita anual de R$ 187 milhões com a cobrança de taxas pelo uso do recurso florestal e arrecadação de R$ 1,9 bilhão ao ano em tributos. A preferência pelo Pará tem justificativa. O projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas foi apresentado em resposta ao assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, na cidade paraense de Anapu.

Na mira da exploração
Florestas com edital de plano de manejo aberto:
Trairão (257 mil ha);
Jamanxin (1,3 milhão de ha);
Crepori (740 mil ha);
Flona Amaná (540 mil ha)

Florestas com plano de manejo aprovado:
Saracá-Taquera (441 mil ha);
Jamari* (215 mil ha);
Carajás (411,9 mil ha);
Tapirapé-Aquiri (190 mil ha)

Florestas com plano de manejo em elaboração:
Itamira (712 mil ha);
Itaituba I(220 mil ha) e Itaituba 2 (440,5 mil ha)

* Única floresta de Rondônia na listagem. As outras 10 são do Pará.


Parlamentares cobram ações do governo

Por Sérgio Pardellas - Brasília - (JB)

A Comissão da Amazônia na Câmara convidará membros do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM) para debater o conteúdo do "Relatório de Situação" divulgado com exclusividade pelo Jornal do Brasil.
O documento, elaborado pelo órgão com a colaboração do Sistema Brasileiro de Inteligência, vinculado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), aponta que a soberania brasileira na região está ameaçada e reafirma as suspeitas de que ONGs e entidades estrangeiras estão tomando a região. O pedido de audiência partiu da deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que avaliou como "gravíssimo" o relatório.
- É muito grave, sobretudo nos trechos em que os militares reafirmam as ameaças à soberania nacional por parte de ONGs e entidades estrangeiras - diz a deputada.
Além da GTAM, Vanessa também pretende solicitar a participação dos representantes da Abin e do Ministério da Defesa na audiência, a ser marcada assim que for constituída a comissão na nova legislatura. A deputada espera uma posição contundente do governo em defesa da soberania, similar à tomada em 2005, quando a comunista encaminhou um requerimento ao ministro da Defesa, Waldir Pires, e questionou o suposto plano do governo inglês de privatizar a Amazônia.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também considerou grave o relatório. Reconheceu que a legislação é "frouxa" para combater a ocupação de ONGs estrangeiras e a biopirataria na região. Defendeu a fiscalização e uma atuação do Estado mais intensa na região. Em matéria publicada ontem pelo JB, o ministério do Meio Ambiente admitiu que a biopirataria é a base de um mercado que movimenta US$ 100 milhões por ano nas indústrias química, farmacêutica e cosmética. E o Brasil não vê nem um centavo disso.
- O Brasil tem que olhar com carinho para a Amazônia. Existe a ONG ruim e a ONG boa. Precisamos reforçar a fiscalização - disse o senador.
Jucá pretende levar ao presidente Lula um projeto de desenvolvimento sustentável da Amazônia. O senador Luiz Otávio (PMDB-PA) se declarou a favor do uso da Polícia Federal e Forças Armadas para defender as terras amazônicas da desenfreada ocupação:
- Temos que utilizar os aparelhos do Estado para coibir esse tipo de coisa. Além de impostos, o Estado deixa de gerar empregos. A chamada Amazônia Legal tem hoje mais de 20 milhões de habitantes.


A lei da ocupação

Conservação
A lei de gestão de florestas públicas prevê três formas de manejo: criação de unidades de conservação, destinação de áreas para uso de comunidades locais e concessão do direito de exploração, por meio de licitação, à iniciativa privada. As concessões só serão realizadas depois de definidas as unidades de conservação e as áreas para uso comunitário.

Licitação
Estabelece como critérios para a licitação o melhor preço, o menor impacto ambiental, o maior beneficio socioeconômico a população local. Os contratos de concessão podem ter até 40 anos de duração. Só empresas brasileiras e organizações constituídas no Brasil podem participar das licitações.

Atuação do Ibama
O Ibama fiscalizará a implementação do Plano de Manejo Florestal Sustentável e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) o cumprimento dos contratos de concessão. Além disso, a cada três anos uma auditoria independente será realizada.

Retomo financeiro
A expectativa do governo é que em 10 anos a área máxima sob concessão seja de 13 milhões de hectares (cerca de 3% da Amazônia), gerando receita anual de R$187 milhões com a cobrança de taxas pelo uso do recurso florestal e arrecadação de R$ 1,9 bilhão ao ano em tributos. O governo espera a criação de 140 mil empregos.




Jornais destacam reportagens

Camila Arêas

A repercussão internacional da série de reportagens de denúncia sobre a Amazônia, publicadas desde domingo pelo Jornal do Brasil, ficou a cargo da imprensa latino-americana. Jornais chilenos e argentinos ecoaram as reportagens exclusivas com destaque.
Alvo das denúncias, os Estados Unidos não mencionaram nada sobre o assunto. Nem mesmo o polêmico correspondente americano do The New York Times, Larry Rohter, se pronunciou.
Com o título "A presença militar dos Estados Unidos na região inquieta o Brasil", o jornal argentino La Nación ressalta a possibilidade de que a Amazônia se converta em uma zona de conflitos bélicos em breve.
- As notícias brasileiras sempre nos interessam por questões políticas e estratégicas. Mas neste caso foi a ameaça americana que mais nos chamou atenção - explica Inés Capdevila, editora de Internacional do La Nación.
Para Carlos Turdera, autor da matéria que repercutiu a série do Jornal do Brasil para a Argentina, a imprensa brasileira também pecou:
- É um assunto de peso e que tem muitos desdobramentos na questão de segurança. Fiquei surpreso com a pouca repercussão pela mídia brasileira. Ainda estou tentando entender porque.
O jornal La Nación do Chile afirma que a "Inteligência brasileira esta preocupada com a influência americana nas zonas fronteiriças da Amazônia", ressaltando os riscos da espionagem para a segurança nacional.
De férias, Larry Rohter não se pronunciou. Ironicamente, sua última matéria para o The New York Times foi sobre a Amazônia. Uma longa critica à política de Lula para a região.

JB, 31/01/2007, País, p. A2-A4
Amazônia:Políticas de Desenvolvimento Regional

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