Cunhambebe: preservação gratuita seria viável

O Globo, Rio, p. 18 - 11/10/2016
Cunhambebe: preservação gratuita seria viável
Entidades ambientais dizem que estado poderia ter incentivado reserva particular em vez de criar parque

PAULA FERREIRA MARIA ELISA ALVES
granderio@oglobo.com.br

Em meio à crise financeira do Rio, a decisão do governo de tornar de utilidade pública, para fins de desapropriação, uma área de 16,9 milhões de metros quadrados no Parque Estadual do Cunhambebe, criado em 2008 em Mangaratiba, não apenas trouxe à tona a discussão de como o estado vai indenizar o Resort Portobello, dono do terreno avaliado, em 2012, em cerca de R$ 7,5 milhões, como botou em xeque se a forma escolhida para preservar o local foi a mais adequada. Entidades ligadas à proteção ambiental afirmam que, se o estado tivesse incentivado a criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), em vez de ter criado o parque, economizaria recursos. Pelo modelo da RPPN, em troca da isenção de alguns impostos, o dono da área é obrigado a cuidar, de forma permanente, de sua conservação.
- O ideal seria que, no processo de criação do Parque do Cunhambebe, os proprietários tivessem sido envolvidos. O estado deveria ter incentivado a criação da RPPN e constituído um mosaico de áreas protegidas na região. Se fizesse isso e incentivasse o proprietário a preservar a área, garantiria a floresta e não teria que dispor de recursos para a indenização - explica Marcia Hirota, diretora-executiva do S.O.S. Mata Atlântica. MODELO RESTRINGE ATIVIDADES PERMITIDAS
A RPPN é uma categoria de unidade de preservação prevista em lei, na qual o terreno continua nas mãos dos donos, sem indenização do estado, nas só pode ser usado para atividades científicas, culturais, educacionais, recreativas e turísticas. Depois de sua aprovação, a área fica preservada para sempre, pois não é possível reverter seu status.
- Quando uma RPPN é criada, desonera o estado não só do pagamento pela área, como também da sua manutenção. Incentivar a criação de unidades privadas, sem dúvida, seria muito mais eficiente para o governo. Ele poderia fazer isso através de repasses do ICMS verde, por exemplo. São ações que o estado poderia tomar para ajudar o proprietário a manter aquela condição de reserva, sem disponibilizar uma fortuna para desapropriar um bem que já estava preservado - argumenta Deise Moreira Paulo, secretária da Associação de Proprietários de RPPN.
De acordo com ela, o estado muitas vezes enxerga o proprietário como um concorrente e não como um parceiro, o que faz com que essa modalidade de reserva não seja incentivada. Deise afirma que a utilização da área pelo proprietário poderia beneficiar ambos.
- Como é uma floresta, tem restrições, como não poder caçar, nem fazer atividades extrativistas. Mas os proprietários podem fazer turismo ecológico, observação de pássaros, criar coleta de sementes com marcação das matrizes. Podem ainda desenvolver apicultura, que é desejada em muitas áreas, por causa da polinização. Se aquele terreno chegou ao ponto de o estado querer fazer um parque, é porque alguém o preservou antes - observa Deise.
O deputado estadual Carlos Minc, que à época da criação do Parque do Cunhambebe estava à frente da Secretaria estadual do Ambiente, diz ser um defensor de RPPNs, mas argumenta que sua criação tem que acontecer a partir de um interesse dos donos do terreno a ser preservado e não pode ser imposta.
- Durante a criação de parque, sempre que um dono de terreno dizia que queria fazer RPPN, nós concordávamos. São realizadas audiências públicas justamente para que todos possam se manifestar. No caso do Cunhambebe, ninguém se apresentou dizendo que queria transformar a área em RPPN. O estado não pode obrigar os donos a fazerem isso, é algo voluntário - diz Minc.
Para o advogado ambientalista Rogério Zouein, o mais comum é que as RPPNs sejam iniciativas de proprietários apaixonados pela natureza, e não de empreendimentos comerciais:
- Nem todo mundo vai querer criar uma reserva, perdendo o dinheiro que o estado vai pagar.
RESORT DIZ QUE NÃO FOI CONSULTADO
Advogado do Resort Portobello, Alexandre Thiago diz que o dono do terreno não foi avisado, à época, da criação do parque.
- Foi uma iniciativa do governo, um decreto. Não foi uma ideia do Portobello. O parque foi criado sem a nossa ingerência. Não soubemos de nenhuma audiência - diz Alexandre, que enxerga vantagens na forma encontrada pelo governo para preservar o local. - Já não podíamos construir nesse terreno. A vantagem do parque é que, se houver uma invasão, por exemplo, a lei é mais rigorosa para punir o invasor do que se fosse apenas uma área particular. O parque também garante fiscalização permanente.
Grande parte da polêmica em torno do modelo escolhido, que desapropria a área, tem relação com o alto valor que será pago pelo estado num momento de cofres vazios. Em 2012, o preço do terreno do resort foi avaliado, para fins de indenização, em R$ 7.597.129,24, valor que, atualizado, segundo fontes consultadas pelo GLOBO, poderia chegar a R$ 30 milhões.


Somente uma nova lei pode reverter a desapropriação
Fundo de compensação será usado para pagar a indenização da área

Diretor de biodiversidade e áreas protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Paulo Schiavo diz que, embora a região pertencente ao resort já fosse uma área de preservação permanente (APP), era fundamental incluí-la no parque estadual:
- O resort poderia até preservar por conta própria, mas, quando o estado cria um parque, estabelece um regime especial, com fiscalização intensa e lei rigorosa. Se deixasse o terreno apenas como APP, não adiantaria. Se isso fosse o suficiente, não teríamos problemas em margens de rio, que são áreas de preservação.
Para Schiavo, reverter o quadro é difícil. Segundo ele, para modificar agora a desapropriação do terreno, depois que o parque foi constituído, seria necessário uma nova lei. Ele afirmou ainda que a indenização será paga com recursos do Fundo de Compensação Ambiental, e que o valor é inferior a R$ 30 milhões.
- O dinheiro não sairá do Tesouro do estado. Isso é importante destacar porque as pessoas podem confundir as coisas e pensar: "o estado passando tanta necessidade e comprando terra". Se o valor for alterado, será um pouco acima dos R$ 7 milhões avaliados inicialmente. A Procuradoria do Estado não aceitaria um valor exorbitante.


O Globo, 11/10/2016, Rio, p. 18

http://oglobo.globo.com/rio/preservacao-gratuita-do-cunhambebe-seria-viavel-20269313
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